Direito De Regresso Por Inadimplemento No Fomento Comercial

Direito De Regresso Por Inadimplemento No Fomento Comercial

INTRODUÇÃO

 

O objeto do presente estudo é debater recente decisão do Superior Tribunal de Justiça no REsp nº 1.711.412 de relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellize o qual em síntese entendeu não ser possível a cobrança do endossante/cedente do título de crédito por empresa de Fomento Comercial caso o sacado não efetue o pagamento da cartula, ou seja, “o risco do inadimplemento dos devedores dos títulos de crédito cedidos em virtude do contrato de factoring é imanente à situação jurídica em que se encontra o faturizador”.

Cumpre destacar que é pacífico no STJ o entendimento da responsabilidade do endossante/cedente em caso de vício do título, ou seja, quando o endossante/cedente deu causa ao não pagamento da cártula (duplicatas frias).

Tal assunto se mostra de fundamental relevância para o setor, no intuito de unirmos forças para utilizarmos fortes argumentos contrários a esta decisão que se mostra demasiadamente injusta e desproporcional atualmente.

Assim, entendemos que união do setor para explicitar ao judiciário a prática do dia a dia do fomento, para que decisões como estas não se alastrem em nosso judiciário nacional.

 

DA DECISÃO DO STJ NO REsp nº 1.711.412

 

Para sabermos utilizar os melhores argumentos devemos entender o que levou a Turma do STJ a decidir pela impossibilidade do direito de regresso e a não aplicação do instituto do endosso para o fomento comercial.

No caso vertente em primeira instancia o juízo entendeu ser aplicável ao caso concreto o artigo 296 do Código Civil, entendendo ser possível a pactuação da responsabilidade pelo inadimplemento.

Destaco que livre pactuação das partes é válida e eficaz, por meio da qual os cedentes atuaram por meio da livre iniciativa e do exercício da autonomia privada, garantidas constitucionalmente nos Artigos 1º, IV e 170 “caput” da Constituição da República, cerne do Direito Privado e autorizado até mesmo pela regra legal de regência da responsabilidade na cessão de crédito, qual excepciona a regulamentação ordinária, Artigo 296, primeira parte, do Código Civil.

 

Em segunda instância, o Tribunal Justiça reformou a sentença de piso, alegando em síntese:

 

A faturizadora não tem direito de regresso contra a faturizada, sob a alegação de inadimplemento dos títulos transferidos, porque esse risco é da essência do contrato de factoring. Assim, as notas promissórias emitidas em garantia de contrato de factoring padecem de vício de existência, porque nulas. A nulidade das notas promissórias enseja inviável a execução que nelas se apoia, razão pela qual deve ser extinta, ante a procedência dos embargos.

 

Em seu voto o e. Ministro assim se manifestou:

 

A controvérsia submetida à análise deste Colegiado centra-se em saber, para além da ocorrência ou não de negativa de prestação jurisdicional, se é válida a cláusula que estabelece, no bojo de contrato de factoring, a responsabilização da faturizada, não apenas pela existência, mas também pela solvência dos créditos cedidos à faturizadora, inclusive com a emissão de notas promissórias destinadas a garantir tal operação, a pretexto de atendimento ao princípio da autonomia da vontade e de aplicação do art. 296 do Código Civil.

Discute-se, ainda, se o aval, aposto nas notas promissórias, dado pelos sócios da faturizada, subsistiria, sob o signo da autonomia cambial, ainda que se considerasse nula a obrigação do avalizado (no caso, a faturizada), nos termos do § 2º do art. 899 do Código Civil.

Como se constata, o risco advindo dessa operação de compra de direitos creditórios, consistente justamente na eventual inadimplência do devedor/sacado, constitui elemento essencial do contrato de factoring, não podendo ser transferido à faturizada/cedente, sob pena de desnaturar a operação de fomento mercantil em exame.

Com essa compreensão, cita-se, por oportuno, a doutrina especializada de Ricardo Negrão, a qual, após delinear o núcleo duro do contrato de factoring, com esteio no escólio de Frans Martins, bem divisa e distingue a extensão da cessão de crédito operada no âmbito do contrato de fomento mercantil da cessão pura e simples, afastando-se, inclusive, os princípios cambiais incidentes no endosso (necessariamente, com cláusula “sem garantia”, ainda que implícita):

Outra distinção encontra-se na natureza do fomento mercantil; por ser contrato de risco, em que se outorga ao faturizador o direito de escolher as contas que lhe interessam (leia-se: os riscos que irá assumir), não há a possibilidade de se estipular que o cedente responderá pela solvência do devedor, como ocorre na cessão civil (CC, art.295).

[…] As razões pelas quais os princípios da cessão não se aplicam inteiramente ao fomento são as mesmas que lhe negam a plena aplicação dos princípios cambiais lançado nos títulos transferidos: o risco e a natureza especial do contrato.

O risco faz parte do contrato de factoring, levando Arnaldo Rizzardo a classificá-lo entre os contratos aleatórios. Sua natureza explica a não adoção plena dos princípios cambiais quanto ao endosso e responsabilidade do endossante e, igualmente, seu distanciamento do instituto de cessão de crédito no que se refere à cláusula pro solvendo. (Negrão, Ricardo. Curso de Direito Comercial e de Empresa. Vol. 2: Títulos de Crédito e Contratos Empresariais. 8ª Edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 379-385)

Por consectário, a ressalva constante no art. 296 do Código Civil – in verbis: “Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor” – não tem nenhuma aplicação no contrato de factoring.

 

 Em conclusão do presente ponto, ratifico o posicionamento prevalecente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual, no bojo do contrato de factoring, a faturizada/cedente não responde, em absoluto, pela insolvência dos créditos cedidos, afigurando-se nulos a disposição contratual nesse sentido e eventuais títulos de créditos emitidos com o fim de garantir a operação de fomento mercantil, cujo risco é integral e exclusivo da faturizadora. Remanesce, contudo, a responsabilidade da faturizadora pela existência do crédito, ao tempo em que lhe cedeu (pro soluto).

 

Feito os apontamentos iniciais, passamos a analisar pormenorizadamente o acordão vergastado.

 

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

 

Devemos destacar que as transações relativas a operações com títulos de créditos, notadamente cheques e duplicatas, se operam por meio de endosso mercantil (art. 17 da lei 7.357/85 e art. 8 do Decreto 2.044).

Desta forma, nos termos dos artigos 9, 11 e 15 da Lei Uniforme de Genebra, a empresa endossatária passa a ter o direito de receber os valores constantes dos títulos de crédito em face do endossante e de eventuais avalistas/devedores solidários.

Realizadas as considerações prévias, entendemos que as razões de decidir do v. acordão, não merecem prosperar, cujas razões a seguir expõe:

 

  1. o e. STJ, por meio da sua 2ª Seção (que engloba a 3ª e 4ª Turmas e trata das questões de Direito Privado), mudou recentemente o seu entendimento sobre a matéria ENDOSSO NO FOMENTO MERCANTIL e após o julgamento do EREsp 1.439.749/RS (julgado em 28/11/2018) e EREsp 1482089/PA (julgado em 14/08/2019) pacificou o entendimento no sentido de que o endossante faturizado responde pela dívida perante o endossatário faturizador vez que a transmissão dos títulos de créditos em favor da empresa de factoring opera-se por endosso, devendo ser aplicadas as normas próprias do direito cambiário, relativas ao endosso e à circulação dos títulos, que são estranhas à disciplina da cessão civil de crédito;

 

  1. antes mesmo da pacificação do tema pela 2ª Seção do e. STJ aquela Corte Superior já vinha decidindo no sentido de que o “risco assumido pelo faturizador é inerente à atividade por ele desenvolvida, ressalvada a hipótese de ajustes diversos no contrato firmado entres as partes (REsp 992.421/RS) e

 

  1. a empresa endossante optou por contratar com a responsabilidade pro solvendo, beneficiando-se de um fator “mais barato” (pois de certo não havendo a “cláusula de regresso” o valor de compra do título seria outro, bem maior, compatível com o risco assumido), razão pela qual afastar tal responsabilidade imporia um enriquecimento ilícito à faturizada;

 

  1. não há em nosso ordenamento jurídico lei que impeça ou proíba a pactuação do direito de regresso por empresa de fomento mercantil, razão pela qual proibir um ato cuja prática não é vedada representa uma afronta direta aos arts. 425 e 296 do CC e ao 5º, II, da nossa Carta Maior;

 

  1. A Lei 13.874 de 2019, que instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica e estabelece garantias de livre mercado, foi violada, já que afastada pelo juízo cláusulas contratuais firmadas livremente entre duas empresas, infringindo os artigos 421 e 421-A do Código Civil;

  

A seguir passa-se a expor, em detalhes, as razões que sustentam cada fundamento acima exposto.

 

DA RESPONSABILIDADE DA FATURIZADA/ENDOSSANTE PELO PAGAMENTO DAS DUPLICATAS POR ELA ENDOSSADAS À FATURIZADORA/ENDOSSATÁRIA – O ENDOSSANTE RESPONDE PELO ADIMPLEMENTO DO TÍTULO JUNTO AO ENDOSSATÁRIO – EREsp 1.439.749/RS DE 06/12/2018 e EREsp 1482089/PA DE 14/08/2019

 

Consoante entendimento consolidado recentemente pelo e. STJ, por meio da sua Segunda Seção, no julgamento do EREsp 1.439.749/RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Dje de 06/12/2018, a transmissão dos títulos de créditos em favor da empresa de factoring opera-se por endosso, devendo ser aplicadas as normas próprias do direito cambiário, relativas ao endosso e à circulação dos títulos, que são estranhas à disciplina da cessão civil de crédito. No mesmo sentido EREsp 1482089/PA, Rel. Ministro MARCO BUZZI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/08/2019 e AREsp 1635968 julgado em 06/04/2021.

Como assentado pelo e. STJ nos Embargos de Divergência acima citado, os títulos de crédito como o Cheque, a Duplicata, a Nota Promissória e a Letra de Câmbio são regidos por leis especiais, ou seja, não se aplicam as regras do Código Civil atual.

A Duplicata é regulamentada pela Lei nº 5.474/68, preceituando essa no artigo 25 da lei das duplicas mercantis que:

 

“Aplicam-se à duplicata e à triplicata, no que couber, os dispositivos da legislação sobre emissão, circulação e pagamento das Letras de Câmbio”.

 

Por sua vez A Letra de Câmbio e a Nota Promissória são regidas pela Lei Uniforme de Genebra (LUG), pois o Brasil é um dos signatários da mesma. Referida legislação estabeleceu na primeira parte do artigo 15 que:

O endossante, salvo cláusula em contrário, é garante tanto da aceitação como do pagamento da Letra”.

 

Determinou, ainda, a LUG, na primeira parte do artigo 47 que:

“Os sacadores, aceitantes, endossantes ou avalistas de uma Letra são todos solidariamente responsáveis para com o portador.”

 

No mesmo sentido a Lei do Cheque (Lei 7.357/85):

 

“Art. 21 Salvo estipulação em contrário, o endossante garante o pagamento.”

Em suma, nos principais títulos de crédito, e dentre estes o cheque e a duplicata mercantil, o endossante e o avalista são responsáveis pela dívida perante quem portar a cártula, salvo disposição em contrário ou vício de forma, não havendo espaço para relativização desta previsão legal só pelo fato da endossatária se tratar de uma empresa de fomento mercantil.

Conclui-se, então, que a faturizada/endossante é parte legítima para responder pelo débito na medida em que endossou as duplicatas cobradas à faturizadora/endossatária.

No julgamento do EREsp 1.439.749/RS, se repita, tal questão foi pacificada recentemente pelo e. STJ que decidiu que a transmissão dos títulos de créditos em favor da empresa de factoring opera-se por endosso, devendo ser aplicadas as normas próprias do direito cambiário, relativas ao endosso e à circulação dos títulos, que são estranhas à disciplina da cessão civil de crédito.

Tal entendimento foi reafirmado mais recentemente no julgamento do EREsp 1.482.089/PA, também por meio da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, cujo acórdão assim definiu:

 

“demonstrada, pois, a emissão dos títulos de crédito – duplicatas mercantis – e a circulação por meio do endosso […] aplicam-se, consoante os precedentes supramencionados, as regras e princípios inerentes e específicos do direito cambiário (a literalidade, autonomia e a abstração)”

(EREsp 1482089/PA, Rel. Ministro MARCO BUZZI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/08/2019, DJe 19/08/2019) (g.n.)

Conclui-se, que endossante e avalistas devem responder pelo débito cobrado nas duplicatas cobradas, nos termos dos artigos 15 e 47 da Lei Uniforme de Genebra (LUG), norma cambiária específica que deve ser observada, nos termos do art. 903 do Código Civil, e cuja aplicação não se afasta ao caso só pelo fato da endossatária se tratar de uma factoring.

Desta forma, não deve prevalecer o entendimento exarado no r. acordão de que apenas a cessão de crédito pro soluto é admitida no factoring, por contrariar o entendimento uniformizador recentemente adotado pela Segunda Seção do e. STJ (EREsp 1.439.749/RS e EREsp 1.482.089/PA), razão para aplicar ao caso as normas cambiárias específicas e o art. 903 do Código Civil que tratam da responsabilidade do endossante pelos títulos por ele endossados.

Mesmo que se dispensasse a aplicação da legislação cambiária específica (o que se diz apenas para argumentar), o Código Civil é enfático ao afirmar, em seu art. 914, parágrafo primeiro, que assumindo responsabilidade pelo pagamento o endossante se torna devedor solidário, in verbis:

Art. 914. Ressalvada cláusula expressa em contrário, constante do endosso, não responde o endossante pelo cumprimento da prestação constante do título.

1º Assumindo responsabilidade pelo pagamento, o endossante se torna devedor solidário. (g.n.)

 

Assim, de todos os ângulos que se vislumbre a questão o endossante é responsável pelo pagamento das duplicatas endossadas e avalizadas!!!

 

DA RESPONSABILIDADE DA FATURIZADA PELO PAGAMENTO DAS DUPLICATAS POR ELA ENDOSSADAS – RESPEITO AO CONTRATO FIRMADO ENTRE AS PARTES SOB PENA DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DOS DEVEDORES E OFENSA AOS ARTS. 421, PARÁGRAFO ÚNICO, E 421-A DO CC – INTERVENÇÃO MÍNIMA DO ESTADO / JUIZ

 

Mesmo se desconsiderarmos toda a legislação cambiária e civil exposta é de se observar, ainda, que em caso de expressa pactuação em contrato bilateral (no caso o contrato de fomento mercantil) a assunção de reponsabilidade pelo cumprimento da prestação constante dos títulos cabe ao contratante que assim firmou o pacto, não podendo ser violado o novel inciso III do artigo 421-A do Código Civil procedendo verdadeira revisão contratual, que deveria ser excepcional e limitada com intervenção mínima do Estado nas relações contratuais empresariais privadas, senão vejamos:

Art. 421.  […]

Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.

Art. 421-A.  Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que:

I – as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução;

II – a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e

III – a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.

Portanto, na relação empresarial quis o legislador dotar o contrato firmado entre as partes de segurança jurídica, minimizando os impactos econômicos negativos em ações infundadas interpostas por aqueles que devem pagar e utilizam o Poder Judiciário para postergar ou mitigar as suas obrigações previamente estabelecidas nos pactos firmados.

Desta forma, considerando que as partes (pessoas jurídicas de direito privado) expressamente pactuaram em contrato bilateral que a parte contratante/cedente/endossante assumiria a reponsabilidade pelo cumprimento da prestação constante dos títulos que ela endossou, a intervenção e a revisão desse contrato pelo Estado ofendem aos artigos 421, parágrafo único, e 421-A e seus incisos do Código Civil.

Importante ressaltar que existe a opção de formalizar um contrato prevendo o endosso dos títulos respondendo, ou não, pelo cumprimento da prestação constante nos mesmos, ou seja, é uma faculdade.

Caso a faturizada, optasse pelo endosso de títulos ficando responsável pelo cumprimento da prestação constante das referidas cártulas a empresa faturizadora, pagaria um valor maior pelo título (face ao menor risco da operação). Ao reverso, não desejando a faturizada endossar títulos com a cláusula de responsabilidade a faturizadora pagaria um valor menor pelo título (face o maior risco da operação).

Em resumo, optando a faturizada pelo endosso de um título com a cláusula de responsabilidade (pró-solvendo) o deságio (diferença entre o valor de face do título e o valor pago pelo mesmo) é praticado em um percentual bem menor do que se não houvesse tal responsabilidade (pró-soluto).

Contudo, no julgado em testilha não se verificou que a faturizada optou, livre e espontaneamente, de acordo com sua própria conveniência e interesse, pelo endosso do título com a cláusula contratual de responsabilidade (pró-solvendo), beneficiando-se imediatamente de um deságio menor, razão pela qual entendemos haver nítido enriquecimento ilícito da faturizada, fatos esses não observados pelo juízo.

Em recentíssimo acórdão do e. Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, atento à mudança de posicionamento do e. STJ (EREsp 1.439.749/RS), tem reconhecido o direito de regresso quando expressamente pactuado, senão veja-se:

ACÓRDÃO APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO ORDINÁRIA FACTORING CLÁUSULA EXPRESSA INSOLVÊNCIA DO SACADO RESPONSABILIDADE DO FATURIZADO POSSIBILIDADE SENTENÇA MANTIDA HONORÁRIOS RECURSAIS RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Extrai-se da oitiva do sócio da empresa apelante que a responsabilidade pelo pagamento dos boletos na operação realizada com a demandada Cédula Fomento Mercantil, até a data de vencimento, era da Politec e, caso a mesma não realizasse o pagamento, a responsabilidade seria da autora RTR cobrir tais custos. 2. Na esteira da jurisprudência é de se afirmar que Em sendo a faturização uma cessão de crédito a título oneroso, responderá sempre o cedente pela existência do crédito e pela solvência do devedor, em caso de expressa determinação contratual, como no caso, atendendo ao disposto no Artigo 296, do CCB. (TJMG – APL n° 1.0024.06.255197-3/001). 3. Ora se a lei civil permite que o faturizado, cedente dos seus direitos creditórios, ao sabor das suas conveniências, assuma a posição de garante na hipótese de insolvência dos sacados, não há motivo algum para continuar imperando o equivocado entendimento sobre a diminuição dos riscos descaracterizar o contrato de factoring. 4. In casu, diante da opção contratual de endosso com ou sem responsabilidade pelo cumprimento da prestação constante dos títulos, não desejando a faturizada endossar títulos com cláusula de responsabilidade, a faturizadora pagaria um valor menor pelo título (face o risco da operação). Contudo, preferiu a autora receber mais pelos títulos e assumir a responsabilidade pela insolvência. Nesse contexto, a manutenção do entendimento adotado em primeiro grau é medida que se impõe. 5. Por conseguinte, a recorrente deverá suportar os honorários de sucumbência recursal, a título de honorários recursais, razão pela qual majora-se a condenação da apelante ao pagamento de honorários advocatícios em 2% (dois por cento), totalizando 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, §11, do novel diploma processual.Recurso conhecido e desprovido.(TJES, Classe: Apelação, 024170158695, Relator: FERNANDO ESTEVAM BRAVIN RUY, Órgão julgador: SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Julgamento: 19/02/2019, Data da Publicação no Diário: 28/02/2019)

Em recente julgado, ocorrido em 16/02/2016, o e. STJ se pronunciou no mesmo sentido do entendimento acima descrito, in verbis:

 

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. PRETENSÃO INFRINGENTE. RECEBIMENTO COMO AGRAVO REGIMENTAL. PRINCÍPIOS DA INSTRUMENTALIDADE E DA ECONOMIA PROCESSUAL. FOMENTO MERCANTIL. GARANTIA DA OPERAÇÃO. NOTA PROMISSÓRIA. AJUSTE ENTRE AS PARTES. POSSIBILIDADE. REEXAME. SÚMULAS N. 5, 7 E 83 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. Em atenção aos princípios da instrumentalidade e da economia processual, devem ser recebidos como agravo regimental os embargos declaratórios com pretensão infringente. 2. O “risco assumido pelo faturizador é inerente à atividade por ele desenvolvida, ressalvada a hipótese de ajustes diversos no contrato firmado entres as partes.” (REsp 992.421/RS, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, Relator para Acórdão Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, julgado em 21/8/2008, DJe 12/12/2008). 3. Reexame de questão que encontra o disposto nos enunciados n. 5, 7 e 83 da Súmula desta Corte. 4. Agravo regimental improvido. (EDcl no REsp 1562274/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/02/2016, DJe 19/02/2016) (g.n.)

Com relação ao precedente acima citado não foi exposto no acordão ora discutido o seguinte trecho do acordão ora destacado que vai de encontro ao que fora decidido naquele julgado.

 

“A alegação de que a nota promissória vinculada a contrato perde a autonomia não encontra respaldo na jurisprudência desta Corte, haja vista que emitida para honrar quantias líquidas, representadas por soma de cheques devolvidos.

 […] Por fim, embora a jurisprudência desta Corte tenha perfilhado o entendimento de que o faturizado não responde pela solvência do devedor, mas apenas pela existência do crédito cedido, o que, em tese, impediria o faturizador de regressar contra o faturizado, isto não obsta que as partes contratem de maneira diversa e nem exonera este quando dá causa ao não pagamento dos títulos transferidos.” (g.n.)

 

Por fim, citamos trecho de acórdão proferido pelo e. TJSP nos embargos de divergência nº 9190122-02.2009.8.26.0000, de 15/01/2014, que com muita propriedade assim sintetizou: “É verdade que, em regra, o faturizado não responde pela solvência do devedor. Contudo, o art. 296 do Código Civil admite expressamente a possibilidade de estipulação contratual que responsabilize o faturizado pela solvência do devedor.”

 

Art. 296. Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor.

Portanto, se conclui que neste ponto o v. acordão incorreu em erro ao não observar os recentes julgados, sendo perfeitamente possível o direito de regresso, seja pelo inadimplemento do sacado, seja pelo vício do título de crédito endossado ou cedido à empresa de fomento mercantil, desde que tal previsão esteja pactuada em contrato, pois não há notícia de leis brasileiras que proíbam o direito de regresso nessas operações, devendo prevalecer o velho brocardo jurídico “o que não é proibido é permitido”.

 

INEXISTÊNCIA DE QUALQUER IMPEDIMENTO LEGAL PARA QUE O FATURIZADO EMITA UMA GARANTIA DE PAGAMENTO NA OPERAÇÃO DE FACTORING EM FAVOR DA FATURIZADORA – APLICAÇÃO DOS ARTs. 145, 296, 421, 421-A, 425 E 820 DO CÓDIGO CIVIL E DOS ARTs. 5º e 170 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

 

Preliminarmente cumpre destacar que apesar de não ter legislação específica, a atividade de fomento mercantil é lícita, respaldada pelos princípios gerais da atividade econômica previstos na Constituição da República e em especial pelo parágrafo único do art. 170 que dispõe:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[…]

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

Assim, temos que as sociedades de fomento comercial atuam estritamente com base no que é pactuado em consenso com o faturizado e com base no que a lei pátria autoriza, em enaltecimento ao princípio da autonomia da vontade enaltecido no artigo 421 e intervenção mínima do Estado nas relações privadas insculpido no art. 421-A ambos do nosso ordenamento Civil. Em regra, excetuados apenas os direitos indisponíveis e os preceitos de ordem pública, tudo pode ser objeto de ajuste, transação e renúncia. O contrato pode regular as mais variadas e infinitas situações e outorgar direitos e deveres aos que declararam sua vontade e chegaram ao consenso.

O r. acordão julgou improcedentes o Recurso Especial por entender não ser possível o exercício do direito de regresso do faturizador em relação ao faturizado, tornando nulas cláusulas contratuais pactuadas livremente entre as partes.

No entanto, o r. acordão, repita-se, não verificou que:

  1. os artigos 421 e seguintes do Código Civil, alterado pela novel Lei 13.874/19, determinam que será limitada e excepcional a revisão contratual com intervenção mínima do Estado nas relações contratuais empresariais privadas e a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada;
  2. o Código Civil, em seus artigos 425 e 296, expressamente permitem a possibilidade de pactuação de contratos atípicos e estipulação de cláusula que obriga o cedente ao pagamento das quantias descritas nos títulos em caso de inadimplemento por parte do devedor originário e, no caso em tela, a estipulação das partes com relação a solvência do devedor é expressa e incontroversa nos Contratos de Fomento Mercantil;
  3. ao optar por contratar com a responsabilidade pro solvendo, o cedente/endossante beneficiou-se de um fator “mais barato” por isso (pois de certo não havendo a “cláusula de regresso” o valor de compra do título seria outro, bem maior, compatível com o risco assumido). Logo, afastar tal responsabilidade imporia um enriquecimento ilícito ao cedente.
  4. não há notícia de leis brasileiras que proíbam o direito de regresso nessas operações, devendo prevalecer o velho brocardo jurídico “o que não é proibido é permitido”. As jurisprudências citadas são antigas e se basearam no direito estrangeiro sobre factoring.

Desta forma, a assunção do risco pela empresa de fomento mercantil como regra geral não impede que seja por ela buscada outra garantia, observado o princípio da autonomia privada.

Veja-se, a título exemplificativo, que o Código Civil em seu art. 820 declara ser lícita a instituição de modalidade de garantia (fidejussória) que pode ser estipulada ainda que sem o consentimento do devedor ou contra a sua vontade.

Desta forma, o r. acordão criou verdadeiro impedimento, que inexiste em nenhum regramento legal pátrio, para que as partes possam, exercendo sua livre vontade, contratar a responsabilidade do cedente pela solvência do devedor (art. 296 do Código Civil), pelo simples fato de ser uma empresa de fomento mercantil, violando frontalmente a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019) que estabeleceu garantias de livre mercado.

É de curial sabença que a atividade de fomento mercantil é realizada com base na livre manifestação de vontade de seus agentes, o que encontra fundamento no art. 425 do Código Civil pátrio que diz: É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste código.

Assim, repita-se, se houve a contratação da compra e venda de títulos, estabeleceu o valor da compra, e livremente pactuou o direito de regresso, HOUVE PROVEITO ECONÔMICO PELA CEDENTE, já que EXISTINDO A CLÁUSULA DE RESPONSABILIDADE (pró-solvendo) a diferença entre o valor de face do título e o valor pago pelo mesmo foi praticado em um percentual bem menor do que se não houvesse tal responsabilidade (pró-soluto).

Fixadas estas premissas repetimos que NÃO HÁ EM NOSSO ORDENAMENTO JURÍDICO LEI QUE IMPEÇA OU PROÍBA A PACTUAÇÃO DO DIREITO DE REGRESSO POR EMPRESA DE FOMENTO MERCANTIL.

Desta forma, entendimento contrário (proibir um ato cuja prática não é vedada pelo nosso ordenamento jurídico, pelo contrário, é expressamente prevista) é uma afronta direta à lei Federal 10.406/2002, notadamente aos artigos antes citados e à própria Carta Maior.

Segundo o disposto no art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer a não ser em virtude de lei”, sendo certo que tudo o que não é proibido é permitido.

Entender que a atividade de fomento mercantil, por sua “natureza”, não pode estipular que o faturizado (cedente) garanta a solvência do devedor em seus contratos, fere também o Princípio Constitucional da Isonomia/Igualdade, pois todos são iguais perante a lei, pensar de modo diverso é colocar sobre a atividade de fomento sanções que outras atividades também comerciais não possuem.

Em resumo, proibir um ato cuja prática não é vedada pelo nosso ordenamento jurídico seria uma afronta direta à nossa Carta Maior (artigo 5º, caput e inciso II), e ao próprio Código Civil que expressamente autoriza a estipulação de contratos atípicos (art. 425) resguardando a todos a ampla liberdade de contratar conforme sua conveniência e interesse (art. 421), prevê a possibilidade de responsabilidade do cedente pela existência do crédito desde que pactuada entre as partes (art. 296), declara ser lícita a instituição de modalidade de garantia que pode ser estipulada ainda que sem o consentimento do devedor ou contra a sua vontade (art. 820) e ainda institui que eventual nulidade do negócio jurídico firmado entre as partes somente poderia ser declarado nulo por vício próprio, mediante alegação específica de um dos incisos do art. 145 do CC.

Entendimento contrário revela-se discriminatório com todo um segmento comercial. Indaga-se:

De qual legislação se extraiu tal entendimento? Por que desnaturaria o instituto do fomento mercantil a aplicabilidade do Código Civil ou das leis especiais sobre títulos de créditos? Tais leis servem somente para pessoas físicas e empresas comerciais que não exercem as atividades de fomento mercantil???

Pensar de modo diverso é colocar sobre a atividade de fomento sanções que outras atividades também comerciais não possuem, tratando-o de forma desigual a outras empresas comerciais, em nítida discriminação ao criar uma proibição ao direito de contratar que inexiste em nenhuma lei pátria.

Se a Recorrente fosse empresa que atuasse em qualquer outro segmento comercial por certo a decisão recorrida seria outra, daí decorre, além da afronta direta à lei Federal 10.406/2002 em seus artigos 425 e 296, da violação ao princípio constitucional da isonomia, a violação ao art. 5º, inciso II e ao artigo 170 da nossa Carta Maior, que em seu parágrafo único prevê que “é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”.

Desta forma, não há que se falar em nulidade de uma cláusula contratual não proibida pelo ordenamento jurídico, que foi estipulada por livre e espontânea vontade por duas empresas, razão pela qual deve ser declarada a responsabilidade do Cedente/Endossante pelo pagamento do débito proveniente de duplicatas mercantis cobradas e inadimplidas.

 

CONCLUSÃO

 

Esperamos que este breve texto sirva como base para a elaboração de eventuais recursos contra decisões que entendam que a empresa de fomento comercial não possa estabelecer cláusulas contratuais com a responsabilidade do cedente/endossante pelo pagamento do título cedido em caso de não pagamento pelo sacado, enaltecendo a nossa legislação infraconstitucional e constitucional.

Mário Cezar Pedrosa Soares, advogado, mestre em direito processual, especialista em Fomento Mercantil e Direito Empresarial.