Recentemente, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) analisou um caso emblemático envolvendo a distribuição de dividendos baseada em Avaliação a Valor Justo (AVJ), tema que abordamos a seguir por sua relevância para a gestão tributária de empresas.
Contexto do Caso
Em decisão recente, o CARF afastou a cobrança de IRPJ (Imposto de Renda Pessoa Jurídica) e CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido) sobre dividendos distribuídos com base em ganhos contábeis originados por AVJ. O caso, referente à empresa GSR Shopping Ltda., trouxe importantes discussões sobre os limites da tributação de lucros não operacionais.
Processo: 11052.720011/2019-39 | Acórdão: 1401-007.393
Relator: Cláudio de Andrade Camerano
O que é AVJ?
A Avaliação a Valor Justo é um conceito contábil utilizado para alinhar o valor dos ativos e passivos ao seu valor de mercado. Embora traga maior aderência à realidade financeira da empresa, seu reflexo nas demonstrações contábeis pode gerar controvérsias, principalmente em relação à distribuição de lucros e à incidência de tributos.
O Caso Shopping São Gonçalo
No julgamento, o imóvel do São Gonçalo Shopping foi reavaliado de R$ 90 milhões para R$ 260 milhões, resultando em um ganho contábil de R$ 171 milhões. Esse valor foi utilizado para distribuição de dividendos aos sócios.
A Receita Federal entendeu que essa distribuição representava a realização do ativo, o que exigiria tributação pelo IRPJ e CSLL — totalizando uma autuação de cerca de R$ 20,9 milhões. O ponto central do debate foi: há incidência de tributos quando a distribuição de dividendos decorre de AVJ sem alienação, baixa, depreciação ou amortização do ativo?
O que diz a legislação
A Lei nº 12.973/2014, em seu artigo 13, determina que os ganhos decorrentes da AVJ só devem ser tributados quando efetivamente realizados, isto é, quando há alienação, baixa, depreciação ou amortização do ativo. Apenas o ajuste contábil, por si só, não constitui fato gerador tributável.
Decisão e implicações práticas
O colegiado do CARF entendeu que a distribuição de dividendos oriunda de ganhos contábeis provenientes de AVJ não configura, isoladamente, fato gerador de IRPJ ou CSLL, desde que não haja realização efetiva do ativo.
O que as empresas precisam considerar:
Distribuição de Dividendos via AVJ: Apesar de contabilmente possível, pode ser interpretada como distribuição de lucros não operacionais, abrindo margem para autuações fiscais.
Integralização pelo valor histórico: Bens integralizados pelo custo original não geram ganho de capital tributável, evitando a incidência de tributos sobre reavaliações puramente contábeis.
Cautela na utilização de AVJ para aumento de capital: Operações mal planejadas podem ser entendidas como alienação e resultar em carga tributária elevada (até 34%).
Aplicação restrita a bens já pertencentes à empresa: Transferência de bens exige atenção ao ITBI e registro adequado para evitar questionamentos fiscais.
Conclusão
A Avaliação a Valor Justo é uma importante ferramenta contábil, mas sua aplicação exige cautela, planejamento tributário e respaldo técnico. A decisão do CARF no caso do Shopping São Gonçalo serve de alerta para empresas, ressaltando a necessidade de justificar adequadamente a distribuição de dividendos e seguir estritamente a legislação.
Recomendação:
A utilização da AVJ, embora legítima, não é solução única para todos os casos e exige acompanhamento profissional qualificado para evitar riscos tributários relevantes. Consulte sempre um especialista em direito tributário e contabilidade antes de adotar esse procedimento.