STJ – Contratos eletrônicos: títulos executivos extrajudiciais?

Decisão do STJ representa avanço para legitimar a crescente utilização dos contratos eletrônicos no Brasil

Há muito tempo que os contratos eletrônicos foram inseridos na prática negocial brasileira, embora ainda não haja total clareza a respeito de várias das suas consequências jurídicas. Afinal, a maior parte das previsões legislativas a respeito do tema é destinada aos contratos do mundo real, o que exige um grande esforço dos juristas para a sua adaptação às novas realidades e aos avanços tecnológicos.

Um bom exemplo desta discussão é o recente julgamento do Superior Tribunal de Justiça1, em que se entendeu que o contrato eletrônico assinado digitalmente, em conformidade com a infraestrutura brasileira de chaves públicas, deve ser considerado título executivo extrajudicial.

Como se sabe, a legislação processual apenas reconhece a executividade do contrato assinado por duas testemunhas. Por essa razão, no caso em referência, o juízo de primeiro grau havia indeferido a petição inicial, extinguindo o processo em julgamento de mérito, por entender que contrato eletrônico, sem a assinatura de duas testemunhas, não poderia ser título executivo. O entendimento foi confirmado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.

De forma contrária, o Superior Tribunal de Justiça, a partir do voto do relator ministro Paulo Sanseverino, que foi acompanhado pela maioria, considerou ser possível o excepcional reconhecimento de executividade aos contratos eletrônicos, desde que atendidos determinados requisitos. Ainda que reiterando a necessidade de se dar interpretação restrita ao rol “numerus clausus” de títulos executivos extrajudiciais previsto na lei, entendeu a Corte que esta seria a única interpretação consentânea com a importância do contrato eletrônico no atual cenário econômico e com a própria revolução tecnológica.

Ponto chave para se admitir a executividade do contrato eletrônico, como consta da própria ementa do acórdão, foi a circunstância de que “a assinatura digital de contrato eletrônico tem a vocação de certificar, através de terceiro desinteressado (autoridade certificadora), que determinado usuário de certa assinatura a utilizara e, assim, está efetivamente a firmar o documento eletrônico e a garantir serem os mesmos os dados do documento assinado que estão a ser sigilosamente enviados.” Logo, “em face destes novos instrumentos de verificação de autenticidade e presencialidade do contratante, possível o reconhecimento da executividade dos contratos eletrônicos.”

Com efeito, nos termos do §1º do art. 10 da MP 2.200/01, “As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do art. 131 da Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916 – Código Civil.”

Consequentemente, por meio do processo de certificação, assegurar-se-iam os mesmos objetivos de autenticidade pretendidos pelo legislador ao exigir a assinatura das duas testemunhas em relação ao contrato físico. Na verdade, a certificação pode ser considerada um equivalente funcional da assinatura de duas testemunhas, motivo pelo qual este último requisito poderia ser dispensado para efeitos de se atribuir executividade ao contrato eletrônico.

É interessante notar que o único voto-vencido – do ministro Ricardo Cuêva – não discordou propriamente da possibilidade de se reconhecer executividade aos contratos eletrônicos. Aliás, adere claramente à tese, reconhecendo que “a tecnologia hoje disponível já oferece instrumentos de verificação de autenticidade e presencialidade do contratante, aptos a conferirem segurança jurídica até mesmo superior à forma convencional de contratação, realizada na presença física de ambas as partes.”

Da mesma maneira, entendeu o voto-vencido que a superação do requisito das duas testemunhas apenas poderia ocorrer se observadas as garantias mínimas de autenticidade e segurança e caso os pressupostos de existência e validade do contrato pudessem ser verificados por outros meios idôneos. Daí chamar atenção para a necessidade de que a assinatura digital seja devidamente chancelada por autoridade certificadora legalmente constituída, argumentando que “a validade jurídica do ato decorre da própria lei que regula o procedimento de certificação digital.”

A razão da divergência decorreu tão somente de peculiaridades fáticas do caso concreto, tais como a circunstância de se tratar de arquivo digital impresso – em que a assinatura do executado não passaria de representação gráfica -, bem como da impossibilidade de se verificar quem possuiria o certificado eletrônico: se a credora, o devedor ou a plataforma eletrônica utilizada para a celebração do negócio jurídico.

Todavia, do ponto de vista da tese, o Superior Tribunal de Justiça foi unânime em reconhecer a possibilidade da executividade de contratos eletrônicos assinados por contratante e contratado com o uso de certificados digitais emitidos com base nos critérios da ICP-Brasil.

Tal entendimento, além de representar significativo avanço para legitimar a crescente utilização dos contratos eletrônicos no Brasil, também tem o importante papel de reiterar a necessidade constante de que os juristas, pela via da interpretação, adaptem para o mundo virtual regras jurídicas que foram pensadas apenas para o mundo real.

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1[1] REsp 1.495.920/DF, Relator Ministro Paulo Sanseverino, julgado em 15/05/2018.

Ana Frazão – Advogada. Professora de Direito Civil e Comercial da UnB. Ex-Conselheira do CADE.

Fonte: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/contratos-eletronicos-titulos-executivos-extrajudiciais-2-08082018

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