Em recentíssimo julgado, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ em Agravo Regimental no Recurso Especial nº 284.006/RJ, relatado pelo Ministro Sidnei Benet, entendeu que havendo pacto entre as partes é legal o direito de regresso para situações onde ocorreu o inadimplemento no negócio de fomento mercantil, nos seguintes termos:
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INVIÁVEL O ESPECIAL POR VIOLAÇÃO À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ARTIGO 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ.
RESPONSABILIDADE DO FATURIZADOR. RISCO DA ATIVIDADE. EXCEÇÕES PESSOAIS.
1.- Inviável o especial por violação à Constituição Federal.
2.- A exigência do prequestionamento está adstrita à própria existência do Recurso Especial, que tem por pressuposto constitucional tenha a questão veiculada no Especial sido decidida em única ou última instância.
3.- Dirimida a controvérsia de forma objetiva e fundamentada, não fica o órgão julgador obrigado a apreciar, um a um, os questionamentos suscitados pela parte, mormente se notório seu propósito de infringência do julgado.
4.- Não é possível em sede de Recurso Especial alterar a conclusão do tribunal a quo, no sentido de que “não há prova de que o serviço foi prestado’, pois demandaria o reexame do conjunto fático-probatório, o que atrai o óbice do enunciado 7 da Súmula desta Corte.
5.- A jurisprudência desta Corte é no sentido de que “O risco assumido pelo faturizador é inerente à atividade por ele desenvolvida, ressalvada a hipótese de ajustes diversos no contrato firmado entres as partes” (REsp 992421/RS, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, Rel. p/ Acórdão Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, DJe 12/12/2008), e de que “A devedora pode alegar contra a empresa de factoring a defesa que tenha contra a emitente do título.” (REsp 469051/RS, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 20/03/2003, DJ 12/05/2003, p. 308).
6.- Agravo improvido.
(AgRg no AREsp 284066/RJ, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/12/2013, DJe 04/02/2014)
Tal decisão se baseou no voto do Ministro Humberto de Barros no Recurso Especial nº 992.421. Nele o Ministro bem esclarece não haver uma lei específica sobre o fomento mercantil, devendo ser utilizadas as leis especiais existentes sobre títulos de crédito, bem como as demais leis vigentes em nosso ordenamento que tratam do direito comercial, e que a tese da impossibilidade do direito de regresso se baseia simplesmente em doutrinas, que por sua vez estudaram o direito alienígena e procuram trazer tais conceitos que não são aplicáveis aos casos concretos nacionais, nos seguintes termos:
[…]
O Tribunal gaúcho reformou a sentença e julgou procedentes os pedidos da autora (sacada). Anulou a duplicata, determinou o cancelamento do protesto e condenou a recorrente no pagamento de 50 (cinqüenta) salários-mínimos.
Conforme consta do relatório, o acórdão recorrido afastou a necessidade do protesto, por entender que aquele que recebe a duplicata em operação de factoring não tem direito de regresso contra quem lhe transmitiu o título. Em outras palavras: segundo o Tribunal gaúcho, o direito de regresso do endossatário contra o endossante não existiria quando a relação entre eles fosse regida por contrato de factoring . Ocorre que o direito brasileiro não incorporou o contrato de factoring como um contrato típico. Não há regulamentação legal da atividade. Assim sendo, a fim de que se preserve o império da Lei, a relação existente entre os envolvidos num contrato de factoring deve ser regida pelas normas pertinentes aos fatos que materializam tal relação. Vale dizer: se a faturizadora recebe o título de crédito por endosso, aplicam-se as normas referentes ao título e ao endosso. Embora rica a doutrina sobre o factoring no Brasil, ela parte de premissa incontestável: inexistência de norma específica. Tudo quanto se escreve em sede doutrinária tem base em ordenamentos estrangeiros ou, quando muito, em sugestões legislativas.
Essa, contudo, não é a atividade do magistrado. Cabe a ele valer-se do direito comparado apenas quando o ordenamento pátrio for omisso ou lacunoso.
Não é o caso, porém, nestes autos. Como afirmei acima, a faturizadora recebeu a duplicata por endosso. Temos, no Brasil, legislação específica que rege este fato: Lei 5.474/68. Essa norma, portanto, deve reger o julgamento.
O Art. 13, § 4º, da Lei das Duplicatas é muito claro: se o endossatário não protestar o título, não poderá cobrá-lo do endossante. Trata-se do conhecido “direito de regresso”. Ora, se o endossatário não recebeu do sacado, deverá protestar para que possa voltar-se contra o endossante. Nessa atividade não há ilicitude. Há exercício regular de direito ou mais: exercício de ônus imposto por Lei!
…
Em resumo: por ausência de regulamentação legal específica, o contrato de factoring estabelecido entre endossante e endossatário não afasta a aplicação das normas legais pertinentes aos fatos que os envolvem.
Ainda que motivada por contrato de factoring , se a transmissão da duplicata se deu por endosso, aplicam-se os Arts. 13, § 4º, da Lei 5.474/68 e 25 da mesma Lei, combinado com o Art. 17 da LUG. Por isso, o endossatário não está obrigado a exigir do endossante a documentação que comprove a regularidade do negócio jurídico originário. Além disso, para voltar-se contra o endossante, em caso de inadimplemento do sacado, deverá protestar a duplicata (garantia do direito de regresso).
Neste recurso antes citado, o voto do Ministro Sidnei Benetti foi no mesmo sentido. Votando em sentido contrário os Ministros Ari Pargendler e Fátima Nancy Andrighi.
Havendo o empate houve a convocação do Ministro João Otávio de Noronha, que ao proferir seu voto de desempate, neste caso específico, entendeu pelo indeferimento do recurso especial interposto pela empresa de fomento mercantil, porém o mesmo no corpo de seu voto admitiu a possibilidade da análise do direito de regresso em outros casos nos seguintes termos:
Posso até aceitar que, por não haver legislação que regulamente o contrato de factoring, nele possa ser prevista cláusula que coloque o endossante na posição de garante do título.
Mas, além de tal questão atrair a análise de outras, tais como a responsabilidade ser solidária ou subsidiária (em razão da especificidade do contrato), isso não foi assunto cogitado nos presentes autos.
Concluímos que tal decisão é extremamente importante para o seguimento, pois corrige um erro que vem causando enormes prejuízos ao setor, pois a tendência nos julgamentos de primeiro e segundo graus é seguir o que fora decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, abrindo assim um novo horizonte ao fomento comercial.
Autor: Mário Cezar Pedrosa Soares, advogado especializado em Direito Empresarial.