Parecer Elaborado em Consulta Acerca do Endosso em Duplicatas Mercantis e de Serviços

Parecer Elaborado em Consulta Acerca do Endosso em Duplicatas Mercantis e de Serviços

PARECER

CONSULENTE: XYZ

OBJETO DA CONSULTA: DUPLICATAS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E DE COMPRA E VENDA DE MERCADORIAS – ENDOSSO – AVAL – DIREITO DE REGRESSO – COBRANÇA – SUBSTITUIÇÃO POR NOTA FISCAL APENAS

BREVE HISTÓRICO

Houve uma negativa por parte do Banco X, administrador do fundo Z FIDC, em gerar as duplicatas oriundas das notas fiscais de serviços, havendo menção a paralisação também da geração e guarda das duplicatas provenientes de operações de compra e venda, permanecendo somente a aquisição de direitos creditórios por meio de notas fiscais.

Desta forma, a consulta se limita a explanar sobre a importância de se materializar a emissão de duplicatas mercantis como lastro em operações de aquisição de direitos creditórios realizados pelo FIDC para fins de efetividade de cobrança futura em caso de inadimplemento por meio das garantias de endosso e aval.

DO DIREITO

Em regra, as operações de aquisição de direitos creditórios são provenientes de prestações de serviços ou compra e venda de mercadorias. Tais operações são representadas por duplicatas mercantis ou de prestação de serviços para se perfectibilizar no mundo fático, permitindo que o emitente e demais coobrigados (inclusive pessoas físicas estranhas a operação) figurem no título como avalista(s) e endossante ao opor suas assinaturas no verso das cártulas, permitindo também que o sacado figure como responsável ao opor sua assinatura no campo específico para o aceite, ou mesmo concorde com a operação realizada por meio da competente resposta à notificação previamente enviada.

Destacamos ainda que a duplicata, acompanhada da nota fiscal e do comprovante da entrega da mercadoria, se traduz em título líquido, certo e exigível passível de cobrança judicial pelo procedimento executório, notadamente mais célere do que a ação procedimento ordinário, utilizada para a cobrança de títulos sem liquidez.

 Ademais, por meio do endosso e do aceite do sacado as cártulas podem ser colocadas em circulação, desvinculando-se os títulos de suas obrigações originais, constituindo-se em nova dívida autônoma exigível em face do endossante, avalistas e sacado independentemente da sua causa subjacente, em face dos atributos que revestem os títulos de crédito, quais sejam, a abstração e autonomia, e em regra não sendo possível a oponibilidade de exceções pessoais em face do terceiro portador das cártulas (fundo).

Neste ponto são elucidativos os ensinamentos do mestre Waldirio Bulgarelli, que afirma:

“A autonomia é requisito fundamental para a circulação dos títulos de crédito. Por ela, o seu adquirente passa a ser titular de direito autônomo, independente da relação anterior entre os possuidores. Em conseqüência, não podem ser oponíveis ao cessionário de boa-fé as exceções decorrentes da relação extracartular, que eventualmente possam ser opostas ao credor originário”[1].

Ao discorrer sobre os princípios gerais do Direito Cambiário FÁBIO ULHOA COELHO assim preleciona:

“O princípio da autonomia se desdobra em dois sub-princípios – o da abstração e o da inoponibilidade das exceções pessoais aos terceiros de boa-fé. (…) O subprincípio da abstração é uma formulação derivada do princípio da autonomia, que dá relevância à ligação entre o título de crédito e a relação, ato ou fato jurídicos que deram origem à obrigação por ele representada; o subprincípio da inoponibilidade das exceções pessoais aos terceiros de boa-fé, por sua vez, é, apenas, o aspecto processual do princípio da autonomia, ao circunscrever as matérias que poderão ser argüidas como defesa pelo devedor de um título de crédito executado.” (Manual de Direito Comercial. São Paulo, Ed. Saraiva, 2003, p. 231)

Bem elucidativo o julgado do STJ acerca da causa “debendi” conforme, senão veja-se:

EMBARGOS DO DEVEDOR. EMISSÃO DE CHEQUES PARA PAGAMENTO DE DUPLICATAS VENCIDAS. DEVOLUÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE FUNDOS. AUTONOMIA.

– Tanto os cheques quanto as duplicatas gozam de autonomia. O ora recorrente deveria ter adimplido com a obrigação originária; se emitiu cheques, títulos pro solvendo, para sua quitação, então o credor optará por executar tanto uns quanto outros. Poderá, ainda, executar ambos, em conjunto.

A execução – seja pelas duplicatas, seja pelos cheques – está aparelhada com título autônomo. O negócio jurídico precedente e a força executiva das duplicatas não retira, em absoluto, a dos cheques.

(REsp 1023648/ES, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/03/2008, DJe 13/05/2008)

No Recurso Especial de nº 612.423 – DF, extraímos o voto-vista do Ministro Humberto Gomes de Barros, página 03, que a operação de fomento mercantil não extrai qualquer força cambial do título de crédito, in litteris:

Vejamos algumas situações práticas:

(1) O faturizador recebe um título de crédito ao portador. Nessa hipótese, há um terceiro, em regra de boa-fé, que pode exercitar o direito de crédito estampado na cártula. A simples tradição às mãos do factor conclui validamente o negócio (CC/02, Art. 904), facultando-o o exercício do direito ao crédito (CC/02, Art. 893). Note-se que, aqui, não há qualquer impedimento legal apto a impedir a validade do título de crédito contra o emitente. A operação de factoring não extrai qualquer força cambial desse título. Portanto, o emitente não está autorizado a opor exceções pessoais, que tenha contra o beneficiário original, ao terceiro faturizador de boa-fé.

(2) O faturizador recebe um título de crédito nominativo por endosso. Nessa situação, temos um instituto jurídico com efeitos cambiais próprios, que não podem ser afastados pela operação de factoring. Vale dizer: a eficácia da relação cambial decorrente do endosso não se abala pela operação de fomento mercantil, porque a realização de contrato entre faturizado e faturizador não afeta a eficácia do endosso passado no título de crédito. Aqui, por força da circulação do título por endosso, com maior razão só será viável a oposição de exceções pessoais que o sacador tenha contra o faturizador e não contra o beneficiário originário. Note-se que, inclusive, o faturizado pode, a depender do tipo de endosso (com ou sem garantia), excluir sua responsabilidade (LUG, Art. 15).

A figura do endosso nas operações é de suma importância e na duplicata o endossante é responsável pela dívida, salvo disposição em contrário.

A regra no endosso é a garantia de pagamento daquele que endossou o título, salvo estipulação em contrário, ou seja, àquele que endossa título de crédito garante o pagamento da cártula, conforme se extrai do julgamento a seguir:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 1.439.749 – RS (2011/0222365-6)

RELATORA: MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI

EMBARGANTE: CREDFACTOR FOMENTO COMERCIAL LTDA

ADVOGADO: SABRINA FERREIRA NEVES – RS075444

EMBARGADO: IRENO HILÁRIO SCHNEIDER

ADVOGADO: LUCIANO MANICA E OUTRO(S) – RS041495

INTERES.: ANFAC – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE FOMENTO COMERCIAL – “AMICUS CURIAE”

ADVOGADO: JOSE LUIS DIAS DA SILVA – SP119848

EMENTA CIVIL E PROCESSUAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE FACTORING. DUPLICATAS PREVIAMENTE ACEITAS. ENDOSSO À FATURIZADORA. CIRCULAÇÃO E ABSTRAÇÃO DO TÍTULO DE CRÉDITO APÓS O ACEITE. OPOSIÇÃO DE EXCEÇÕES PESSOAIS. NÃO CABIMENTO.

A duplicata mercantil, apesar de causal no momento da emissão, com o aceite e a circulação adquire abstração e autonomia, desvinculando-se do negócio jurídico subjacente, impedindo a oposição de exceções pessoais a terceiros endossatários de boa-fé, como a ausência ou a interrupção da prestação de serviços ou a entrega das mercadorias.

Hipótese em que a transmissão das duplicatas à empresa de factoring operou-se por endosso, sem questionamento a respeito da boa-fé da endossatária, portadora do título de crédito, ou a respeito do aceite aposto pelo devedor.

Aplicação das normas próprias do direito cambiário, relativas ao endosso, ao aceite e à circulação dos títulos, que são estranhas à disciplina da cessão civil de crédito.

Embargos de divergência acolhidos para conhecer e prover o recurso especial.

[destaques nossos]

Concluímos,  que é de suma importância a materialização da emissão da duplicata mercantil, pois ela permitirá ao possuidor do título se beneficiar da legislação cambiária que é mais favorável ao credor em face da lei civil dos contratos.

Sem o título de crédito (duplicata) não haverá a figura do avalista (que pode ser um sócio ou um terceiro, que não figurou no contrato de cessão), do endossante e do aceitante do título, não sendo possível em regra a execução imediata de apenas uma nota fiscal não acompanhada do respectivo título de crédito, bem como não haverá na nota fiscal os garantidores antes citados.

Também, não será possível a cobrança/execução do sacado do título, que mesmo não aceitando a cártula, é responsável pelo seu pagamento, quando houver a nota fiscal, o título (duplicata), o protesto e o comprovante de entrega da mercadoria (artigo 15, II, da LD).

Por fim, se verifica que no próprio contrato de cessão de crédito há previsão da transmissão do título por endosso em suas cláusulas 3.2 e 10.4, fato este impossível sem a materialização de um título de crédito como a duplicata mercantil.

 É o breve parecer!

 Vitória–ES, em 01 de novembro de 2019.

[1] BULGARELLI, Waldirio. Sociedades Comerciais, 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 66.