(13.07.12)
Por não ser um serviço voltado ao consumidor final, o contrato de fomento mercantil (factoring) não se sujeita às regras do Código de Defesa do Consumidor (CDC). A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que se o serviço é usado na cadeia produtiva, uma empresa não pode alegar ser mera consumidora. A decisão foi dada em recurso movido por empresa dentística de Brasília.
A empresa propôs ação de contestação contra supostas cláusulas abusivas do contrato por ela firmado para aquisição de créditos, assessoria creditícia e acompanhamento de “carteira de contas”. As cláusulas ofenderiam o CDC, pois deixavam apenas ao arbítrio da instituição de fomento vários itens do pacto. O Judiciário do Distrito Federal, todavia, não acatou a contestação.
A empresa odontológica recorreu ao STJ, com a alegação de que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em Ação Declaratória de Inconstitucionalidade que há incidência do código consumerista em processos envolvendo instituições financeiras. O relator do processo, ministro Luis Felipe Salomão, rebateu esse argumento e salientou que as empresas de fomento mercantil não se encaixam no conceito legal de empresas financeiras.
Factoring e instituições financeiras
O ministro Salomão destacou que o Banco Central (BACEN) não regula o factoring, e que seus operadores, de maneira diversa dos bancos, não captam recursos de terceiros, mas empregam recursos próprios. Essa, acrescentou o relator, é a jurisprudência já fixada na Corte. Ele também ponderou que o acordo entre as empresas “em nada se distancia das diversas modalidades do contrato de factoring”.
A empresa alegou também que, conforme dispõe o artigo 3º do CDC, haveria relação de consumo uma vez que toda e qualquer atividade financeira se amolda no conceito. Mais uma vez, o ministro Salomão não aceitou o argumento, pois o artigo 2º do mesmo código define “consumidor” como a pessoa física ou jurídica que utiliza o produto ou serviço como destinatária final. “Sob esse enfoque, desnatura-se a relação consumerista se o bem ou serviço passar a integrar a cadeia produtiva do adquirente, ou seja, for posto à revenda ou transformado por meio de beneficiamento ou montagem”, esclareceu.
O magistrado reconheceu a possibilidade da equiparação ao consumidor final, prevista no artigo 29 do CDC e, conforme vários precedentes do STJ, se demonstrada a vulnerabilidade diante do fornecedor. Porém a empresa dentística não se encaixa nesse perfil. “Com efeito, verifica-se que a recorrida não se insere em situação de vulnerabilidade, porquanto não se apresenta como sujeito mais fraco, com necessidade de proteção estatal, mas como sociedade empresarial, que por meio de pactuação livremente firmada, obtém capital de giro para operação de sua atividade”, concluiu. A Quarta Turma acompanhou o voto do ministro Salomão de forma unânime.
CONTRATO DE FACTORING. RECURSO ESPECIAL. CARACTERIZAÇÃO DO ESCRITÓRIO DE FACTORING COMO INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DESCABIMENTO. APLICAÇÃO DE DISPOSITIVOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR À AVENÇA MERCANTIL, AO FUNDAMENTO DE SE TRATAR DE RELAÇÃO DE CONSUMO. INVIABILIDADE.
1. As empresas de factoring não são instituições financeiras, visto que suas atividades regulares de fomento mercantil não se amoldam ao conceito legal, tampouco efetuam operação de mútuo ou captação de recursos de terceiros. Precedentes.
2. “A relação de consumo existe apenas no caso em que uma das partes pode ser considerada destinatária final do produto ou serviço. Na hipótese em que produto ou serviço são utilizados na cadeia produtiva, e não há considerável desproporção entre o porte econômico das partes contratantes, o adquirente não pode ser considerado consumidor e não se aplica o CDC, devendo eventuais conflitos serem resolvidos com outras regras do Direito das Obrigações”. (REsp 836.823/PR, Rel. Min. SIDNEI BENETI, Terceira Turma, DJ de 23.8.2010).
3. Com efeito, no caso em julgamento, verifica-se que a ora recorrida não é destinatária final, tampouco se insere em situação de vulnerabilidade, porquanto não se apresenta como sujeito mais fraco, com necessidade de proteção estatal, mas como sociedade empresária que, por meio da pactuação livremente firmada com a recorrida, obtém capital de giro para operação de sua atividade empresarial, não havendo, no caso, relação de consumo.
4. Recurso especial não provido.
(REsp 938979/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 19/06/2012, DJe 29/06/2012)